quinta-feira, 30 de agosto de 2012

"O FIM DAS TRÉGUAS

"O FIM DAS TRÉGUAS
 Nada deve ter acontecido por acaso. Aparentemente, os mercados, as
 agências de notação, a srâ Merkel, o Bundesbank, o FMI e os vários outros
 autores da farsa europeia concertaram-se entre si para proporcionar aos
 devastados povos da periferia europeia um período de tréguas de que eles
 próprios também deviam precisar. Mesmo os vampiros metem férias. E a
 Europa viveu um mês e meio de quente pasmaceira, que tanto pode ter
 resultado do cansaço acumulado por todos, como significar apenas a trégua
 antes do assalto final. Seja qual for a razão, nós, os gregos, os
 espanhóis e os italianos, os povos do sul e do sol, vivemos um Verão
 tranquilo, em contraste com o massacre das más notícias diárias dos
 últimos dois anos. Como se generosamente nos quisessem ter deixado viver,
 pela última vez, o esplendor do Verão mediterrânico.
 Seria bom poder ficar assim para sempre, com o peso do sol que não nos
 deixa abrir os olhos. Mas não, não podemos: também este sol é enganador.
 Voltemos à vida, então.
 Vamos despertar novamente para a realidade com a visita da troika, para a
 semana que vem. O alemão, o etíope e o careca virão dizer que tudo está a
 ser feito conforme desejado e previsto: isto é, que estamos no bom
 caminho. Segundo o Citigroup, o desemprego em Portugal vai continuar a
 crescer indefinidamente, a recessão, cujo fim em 2013 foi antecipado por
 Gaspar e Passos Coelho, vai dobrar de um crescimento negativo de 3% este
 ano, pelas previsões do Governo, para 6,3% no ano que vem, e a dívida vai
 subir para 120% do PIB. E Portugal só sobreviverá com um perdão generoso
 da dívida. Ou seja: o diagnóstico da doença foi bem feito pela troika e a
 terapia é adequada. O malandro do doente é que não reage ao tratamento.
 O processo ideológico de desforra do capital contra trabalho, conhecido
 como ajustamento da economia portuguesa, e que consiste fundamentalmente
 na promoção deliberada do desemprego e na sua desregulação social, como
 forma de embaratecimento do custo do trabalho, não é afinal suficiente e
 não produziu os efeitos desejados. Diz-nos o Banco de Portugal que o tal
 ajustamento da economia portuguesa tem sido largamente ultrapassado pelo
 ajustamento da economia europeia o que faz com que, longe de nos termos
 tomado mais competitivos, nos tornámos 10% menos competitivos, em termos
 de custos sociais do trabalho. O que é um dado inexplicável, visto que a
 Europa não baixou salários, enquanto nós já os fizemos regredir ao nível
 de cinquenta anos atrás. Mais um mistério criado por esta brilhante
 geração de economistas e ideólogos da economia, que nos trouxeram até onde
 estamos. E, se eles não sabem e não conseguem explicar onde está a origem
 do problema, sabem qual é a solução: baixar ainda mais os salários e
 deixar crescer ainda mais o número de desempregados, como forma de
 pressionar em baixa o valor do trabalho contratado.
 Quando eu estudei economia, alguns que hoje seriam considerados
 ignorantes, como Keynes ou J. K. Galbraith, explicavam que uma economia
 com uma taxa de desemprego de 20% era necessariamente uma economia falhada
 de um país falhado. Hoje dizem-nos que é uma economia em processo de
 ajustamento. Oxalá os burros sejam os velhos.
 Quando, há uma dúzia de anos, escrevi e voltei a escrever que Portugal não
 precisava de submarinos para nada, chamaram-me ignorante, anti-Forças
 Armadas, pouco patriota. Mas eu não me referia apenas à inutilidade da
 arma dos submarinos face aos interesses estratégicos de Portugal.
 Referia-me também à inutilidade subsequente dos sarilhos que
 inevitavelmente acarretaria a compra deles — para o que bastava conhecer
 as regras habituais do jogo.
 Agora, que escasseia o dinheiro para simplesmente manter os submarinos no
 mar, que se atrasa deliberadamente a sua recepção porque não se sabe o que
 fazer com eles, agora que se descobre que desapareceram os documentos
 relativos à compra e que o Ministério Público se prepara para gulosamente
 manter Paulo Portas em eterno mar de suspeitas, como fez com José Sócrates
 no caso Freeport, agora julgo que haverá muita gente a pensar em voz baixa
 o mesmo que eu escrevi há anos. Mas aquilo que ninguém conseguirá explicar
 é a razão pela qual o Estado português assina um contrato que envolve
 contrapartidas do fornecedor dos submarinos e, sabendo que a experiência
 ensinava que nenhum contrato de contrapartidas era, de facto, cumprido até
 ao fim, estabelece neste uma cláusula penal que permite à empresa
 fornecedora não cumprir nada, se assim o quiser, e pagar apenas uma multa
 no valor de 10% do seu incumprimento. Nem o mais inepto estagiário de
 advocacia saído da Universidade Lusófona faria um contrato destes para um
 cliente seu. Se querem saber a causa de milhares de milhões de euros
 malbaratados pelo Estado português nos últimos anos, procurem-na nos
 contratos celebrados em seu nome pelos poucos escritórios-maravi- Ihas de
 advogados a que sempre se recorre, seja para comprar submarinos ou para
 vender a RTP.
 A venda da RTP, o negócio emblemático do ministro Miguel Relvas, segue,
 pois, os trâmites habituais: por agora, escolhe-se o escritório de
 advogados que há-de dar assessoria jurídica ao negócio, visto que os
 advogados do Estado e os da RTP foram tidos como incompetentes para tal. E
 escolhe-se também uma outra empresa externa que há-de definir a natureza
 estratégica do negócio e o conceito de serviço público do que restar da
 RTP, visto que o trabalho produzido sobre o assunto pelas várias comissões
 nomeadas por este e anteriores governos não foi julgado válido.
 Mas aquilo que nenhum outsourríng, por mais encomendado que seja,
 conseguirá explicar é a própria razão da privatização de um canal da RTP.
 Se o objectivo fosse o de cortar nos custos da RTP, bastaria fechar o
 canal, não havia necessidade o vender. Se o objectivo fosse o de melhorar
 a oferta audiovisual (num universo em que a TDT e o Cabo saturaram o
 espaço com todo o género de ofertas), dificilmente se entende como é que
 tal poderá ser levado a cabo pela Cofina, a misteriosa Ongoing ou a ainda
 mais misteriosa empresa angolana cujo único aparente objecto social
 consiste em perder dinheiro editando o semanário "Sol".
 Todos os responsáveis da TVI, da SIC e da própria RTP, todos os que, de
 uma forma profissional estão envolvidos e conhecem o mercado audiovisiual
 português, são unânimes e veementes em explicar ao Governo que o
 aparecimento de mais um canal generalista, num contexto de profunda
 recessão do mercado publicitário, vai significar inevitavelmente a
 inviabilidade económica dos já existentes ou um drástico corte de despesas
 que terá fatalmente más consequências a nível da programação e da
 informação produzidas. Até um inepto estagiário de gestão saído da
 Lusófona percebe isto.
 Se todos o percebem, se não há razão para imaginar que todo o Governo seja
 mais estúpido que o comum das pessoas, e se ninguém se dá sequer ao
 trabalho de explicar a razão desta privatização, só resta uma conclusão: o
 que o Governo quer é exactamente o enfraquecimento ou o fim das televisões
 privadas existentes. Não é por caso ou por ignorância: é por vontade
 deliberada.
 Entretanto, apareceu agora esse génio incompreendido que é o dr. António
 Borges, o Liquidatário-Geral do património público a benefício da
 "iniciativa privada", com uma alternativa genial: em lugar de vender, o
 Estado concessionava, por 15 ou 20 anos, o lº canal da RTP, depois de
 encerrar o segundo; e, em lugar de transferir os habituais 200 milhões/ano
 para a RTP pública, passaria a transferir só 140 milhões para a RTP
 privada. Assim, segundo o dr. Borges, o Estado poupava dinheiro e nem
 sequer vendia a sua televisão. Assim, digo eu, iríamos ter mais uma
 privatização que resultaria em despesa e não em receita e alguém iria
 receber de mão beijada uma televisão já montada, com nome estabelecido no
 mercado, todas as infraestruturas a funcionar, pessoal já qualificado e
 mais 140 milhões por ano do Estado. Um case study a "privatização" do dr.
 Borges.
 Suponho que, neste dossiê, como no da privatização da TAP, seja de mais
 esperar que o senhor Presidente da República se incomode com o assunto.
 Estamos indefesos.
 Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia  "

O cano de uma pistola pelo cu

"O cano de uma pistola pelo cu
Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.

Fonte: http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO056741.html?page=0

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Sermão da montanha - versão para educadores


Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Ele preparava-os para serem os educadores capazes de transmitir a Boa Nova a todos os homens.
 Tomando a palavra, disse-lhes:
- Em verdade, em verdade vos digo:
- Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.

- Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
- Felizes os misericordiosos, porque eles...?

Pedro interrompeu-o:
- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?

André perguntou:
- É pra copiar?

Filipe lamentou-se:
- Esqueci o meu papiro!

Bartolomeu quis saber:
- Vai sair no teste?

João levantou a mão:
- Posso ir à casa de banho?

Judas Iscariotes resmungou:
- O que é que a gente vai ganhar com isso?

Judas Tadeu defendeu-se:
- Foi o outro Judas que perguntou!

Tomé questionou:
- Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?

Tiago Maior indagou:
- Vai contar pra nota?

Tiago Menor reclamou:
- Não ouvi nada, com esse grandalhão à minha frente!

Simão Zelote gritou, nervoso:
- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?

Mateus queixou-se:
- Eu não percebi nada, ninguém percebeu nada!

Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
- Isso que o senhor está fazendo é uma aula?
Onde está a sua planificação e a avaliação diagnóstica? Quais são os objetivos gerais e específicos? Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?

Caifás emendou:
- Fez uma planificação que inclua os temas transversais e as atividades integradoras com outras disciplinas? E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?

Pilatos, sentado lá no fundo, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, no final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto. E veja lá se não vai reprovar alguém!

Foi nesse momento que Jesus disse: "Senhor, por que me abandonaste...?"

... parlamento é o grande centro da corrupção em Portugal...