"Caro
funcionário da República, venho por este meio informá-lo de que V. Exa.
está pejadinho de inconstitucionalidades. É, pelo menos, o que ouvi
dizer. E quem o diz não é um qualquer. Se aplicarmos com rigor o
princípio da equidade invocado pelo Tribunal Constitucional (TC),
chegamos a várias inconstitucionalidades no estatuto do funcionário
público. Para começar, V. Exa. não enfrenta o fantasma da falência,
ao contrário do mero mortal que trabalha lá fora, esse sítio onde se
fazem contas à vidinha. A falência do seu patrão é uma impossibilidade
física e metafísica. Ou melhor, o seu patrão até pode abrir falência,
mas há sempre uma troika e os impostos de toda a gente para o salvar.
Eis, portanto, a primeira inconstitucionalidade, que é a causa da
segunda: V. Exa. não enfrenta o espetro do desemprego. A lei,
escrita e não-escrita, protege o funcionário público do despedimento.
Quando uma empresa deixa de facturar, os trabalhadores vão para o
desemprego, porque a dita empresa tem de fechar portas. Quando deixa de
fazer sentido, uma repartição pública continua aberta. Pior: se, num
acto de loucura, o governo decide fechar a repartição, os funcionários
não são despedidos; são inseridos num quadro de excedentários. Na vida
real, lá fora, onde faz frio, não existem estas redes de segurança
inconstitucionalíssimas.
Em terceiro lugar, parece que a Caixa Geral de Aposentações de V. Exa. garante reformas num regime privilegiado em relação ao resto da população
. E o que dizer da ADSE, a quarta inconstitucionalidade? Durante anos e
anos (décadas?), este exclusivo dos funcionários públicos foi o grande
seguro de saúde do país. Agora, a ADSE parece que está em declínio, mas
isso não apaga os benefícios usufruídos nos anos de glória da ADSE
e não invalida a situação de privilégio ainda existente: um utente
normal tem de ir ao SNS, mas V. Exa. pode ir à clínica/hospital privado
de sua preferência. Durante anos e anos, esta foi a maior
inconstitucionalidade: a melhor parte da saúde financiada pelo Estado era um privilégio de V. Exa. O
TC e os profetas da equidade nunca abriram a boca sobre este assunto e a
expansão da ADSE à população inteira foi sempre um tabu
inconstitucionalíssimo.
Quinta inconstitucionalidade? A taxa de absentismo de V. Exa. é seis
vezes superior à das empresas normais e essas empresas nunca tiveram a
prática das promoções automáticas, outro mistério inconstitucional (o
sexto). Sétima? Por que razão a percentagem do PIB português utilizada para pagar salários da função pública é superior à média europeia?
Oitava? Bom, poderíamos estar aqui o dia todo, poderíamos chegar até à
vigésima, mas por hoje já chega, meu caro amigo. Já estou a transbordar
de inconstitucionalidade, já tenho alíneas de privilégio a sair pelas
orelhas. Para terminar, e enquanto espero pelas considerações do TC
sobre estas alíneas, só queria dizer que continuarei aqui nas galés,
remando ao som do batuque inconstitucionalíssimo de V. Exa. " Ler mais: http://expresso.sapo.pt/caro-funcionario-publico-v-exa-e-inconstitucional=f738257#ixzz20Aplty8G
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