“A morte é muito provavelmente a melhor invenção da vida”, afirmou Steve Jobs, em 2005, frente a uma plateia de estudantes da Universidade de Stanford, nos EUA. “Lembrar-me de que todos estaremos mortos em breve é a ferramenta mais importante que encontrei para me ajudar a fazer as grandes escolhas na vida”. O icónico fundador da Apple morreu no dia 5 de Outubro, com 56 anos, depois de anos com vários problemas de saúde, entre os quais um tipo raro de cancro do pâncreas.
A morte foi anunciada esta noite pela Apple que não avançou a causa exacta da morte do seu co-fundador.
"A Apple perdeu um génio visionário e criativo e o mundo perdeu um ser humano fantástico", lê-se no site da empresa. "O Steve deixa uma empresa que só ele poderia ter construído e o seu espírito será sempre o alicerce da Apple".
Há muito que Steve Jobs se debatia com sérios problemas de saúde, que começaram com um cancro pancreático, em 2004. “O meu médico disse-me para ir para casa e tratar dos meus assuntos”, recordou Jobs, no discurso em Stanford. “É o código dos médicos para dizer que vamos morrer”.
Depois de lhe terem dado um prognóstico de três a seis meses de vida, os médicos acabaram por descobrir que a doença era de um tipo raro, que podia ser curado. Mas, desde então, as aparições públicas mostravam-no cada vez mais magro e fraco, motivando especulações – e receios entre os investidores – sobre o seu estado de saúde. Em 2008, a agência Bloomberg enganou-se e chegou a publicar um obituário.
Jobs fundou a Apple aos 21 anos e ajudou a criar a indústria dos computadores pessoais. Foi despedido da empresa e chefiou o estúdio que criou Toy Story, o primeiro filme de animação moderno. Foi CEO da Apple até Agosto, cargo que tinha desde 1997, ano em que regressou à empresa e a salvou de uma situação difícil, lançando-a numa série de sucessos consecutivos. Pelo caminho, mudou o mundo da música e dos telemóveis.
A importância da caligrafia
Frequentemente descrito como um empresário brilhante e um inventor visionário (tem o nome em mais de 300 patentes), é um exemplo do conceito americano de
self made man.
Steven Paul Jobs nasceu a 24 de Fevereiro de 1955, em São Francisco, na Califórnia. Tanto o pai (um sírio a estudar ciência política) como a mãe (uma universitária americana) acharam que eram muito novos para o criar. Foi adoptado por um casal de classe média que morava em Mountain View, também na Califórnia – a zona que anos mais tarde viria a ser Silicon Valley, a meca da tecnologia a nível mundial.
Durante a adolescência de Jobs, várias empresas de tecnologia tinham instalações naquela área e ele cresceu num ambiente que acompanhava o despontar da electrónica pessoal.
Quando andava no liceu, em Cupertino (onde hoje é a sede da Apple), frequentava conferências nocturnas na Hewllet-Packard e chegou a trabalhar lá durante um Verão. Foi onde conheceu o funcionário da HP Steve Wozniak, um
geek com talento para montar placas de circuitos e com quem viria a fundar a Apple.
Entrou para a Universidade de Reed, mas só esteve inscrito um semestre. O curso era demasiado caro para a bolsa dos pais. E Jobs “não tinha ideia do que fazer com a vida”, lembrou no discurso em Stanford.
Apesar de ter desistido do curso, continuou pelo
campus. Dormia no chão no quarto de amigos e recolhia garrafas de cola para receber o dinheiro do depósito e comprar comida. Uma vez por semana, tinha “uma refeição decente” num templo hindu. E resolveu frequentar aulas de caligrafia, porque achava que os cartazes da faculdade (feitos à mão) eram bonitos. Nestas aulas, aprendeu princípios estéticos que marcaram não só a história dos produtos da Apple, mas também de todos os computadores pessoais.
O princípio da Apple
O primeiro computador Apple era basicamente uma placa de circuitos que tinha de ser montada pelos compradores. Foi lançado em 1976, custava 666,66 dólares e tinha sido desenvolvido por Jobs e Wozniak, na garagem dos pais de Jobs.
A empresa foi oficialmente fundada no ano seguinte. Em finais de 1980, avançou para uma triunfal entrada em bolsa. Jobs (então com 25 anos), Wozniak (cinco anos mais velho) e largas dezenas de outros investidores iniciais tornaram-se milionários instantâneos. Em 1984, os dois co-fundadores receberam do Presidente americano Ronald Reagan a Medalha Nacional de Tecnologia (Jobs usou na cerimónia um laço branco, em vez da mais usual gravata).Com a empresa a crescer, o jovem empresário aliciou o então presidente da Pepsi, John Sculley (um executivo experiente), para o cargo de CEO. Segundo o mito, Jobs terá perguntado a Sculley se este queria passar o resto da vida a fazer água com açúcar ou se queria ajudar a mudar o mundo.
A Jobs coube então a tarefa de chefiar a divisão dos Macintosh, uma das gamas de computadores que a marca desenvolvia. Mas a relação entre Sculley e Jobs deteriorou-se e, na sequência de uma luta interna de poder, acabou por ser afastado da empresa que criara. Tinha 30 anos, era multi-milionário, solteiro, sentia (admitiu mais tarde) que falhara e não sabia o que fazer a seguir.
Fora da Apple
Após meses de reflexão, decidiu fundar uma nova empresa de computadores, chamada NeXT, que desenvolveu computadores topo de gama destinados aos mercados universitário e empresarial.
Um ano depois, em 1986, comprou o The Graphics Group à produtora Lucasfilm, de George Lucas. A empresa desenvolveu um computador destinado a sectores que precisassem de trabalhar com gráficos exigentes, como o cinema e a medicina. Mas o produto não foi bem sucedido e o The Graphics Group acabou por evoluir para a Pixar, o estúdio de animação que criou Toy Story, lançado em 1995 e que é o primeiro filme de animação com gráficos gerados por computador. Jobs surge na ficha técnica do filme como produtor executivo.
Mais tarde, em 2006, a Disney acabou por comprar a Pixar, tornando Steve Jobs no maior accionista individual daquela empresa, com cerca de sete por cento das acções.
Foi também durante o período fora da Apple que Jobs conheceu a mulher, Laurene Powell. Casaram-se em 1991, numa cerimónia dirigida por um monge budista (a religião de Jobs). Ele tinha 36 anos, ela era sete ou oito anos mais nova.
O casal tem um filho e duas filhas. Ele já fora pai em 1978. Na altura, começou por negar a paternidade da criança (alegando que era estéril), mas acabou por reconhecê-la e um dos primeiros computadores da Apple chamava-se Lisa, o nome desta primeira filha. Na versão oficial, porém, o nome do computador é a sigla de
Local Integrated Software Architecture.
Não se sabe muito da vida pessoal do fundador da Apple. São-lhe conhecidas várias excentricidades, como a insistência no mesmo guarda-roupa (nos últimos anos, as calças de ganga e a camisola de gola alta preta), ter morado numa enorme mansão praticamente sem mobília ou ter demorado anos a decorar um apartamento em Nova Iorque para nunca lá morar (vendeu-o a Bono, vocalista dos U2). Conduzia um Mercedes prateado sem matrículas (e que já foi fotografado estacionado num lugar para deficientes) e tinha um jacto privado.
O segundo acto
O escritor F. Scott Fitzgerald afirmou um dia: "Não há segundos actos nas vidas americanas". Evidentemente, Fitzgerald, que morreu em 1940, não pôde conhecer Steve Jobs, que foi o protagonista de um dos maiores segundos actos da indústria tecnológica dos EUA.
Em 1996, a Apple decidiu comprar a NeXT, que tinha pouco sucesso comercial, mas desenvolvera tecnologia importante, a qual acabou por ser responsável por um grande salto evolutivo nos computadores da Apple.
A aquisição fez Jobs regressar à empresa que fundara. Primeiro como conselheiro e, logo em 1997, como CEO interino, cargo que acabou por assumir definitivamente três anos depois.
Na altura, a Apple estava em dificuldades financeiras. Jobs decidiu acabar com uma série de projectos falhados e lançou uma nova linha de computadores Mac. Eram computadores, disse então, cuja parte de trás tinha melhor aspecto do que a parte da frente dos concorrentes. Sob a sua liderança, a empresa regressou aos lucros.Já neste século, resolve dar um novo rumo à Apple. Rodeado da equipa de executivos que agora lidera a empresa, faz uma incursão no mundo da música: em 2001, a Apple lança o primeiro iPod, que praticamente se veio a tornar sinónimo de leitor de música. Dois anos mais tarde, volta a abalar o sector musical, ao lançar a loja online iTunes: em vez de ser preciso comprar álbuns inteiros, as pessoas podiam agora comprar apenas as canções que quisessem.
Em 2007, já visivelmente debilitado (apesar de o cancro pancreático que aparecera três anos antes ter sido descrito como curado), volta a levar a Apple por um novo caminho, com o lançamento do iPhone. Há anos que a indústria dos telemóveis procurava um modelo com um ecrã sensível ao toque que apelasse aos consumidores. Mas foi preciso o toque de Jobs para que surgisse a fórmula certa.
Com o iPhone, Jobs virou o sector ao contrário. Vários fabricantes apressaram-se a tentar seguir as pisadas da Apple. A Nokia, na altura um portento dos telemóveis, está em declínio, em grande parte porque ainda não conseguiu encontrar forma de competir neste novo mercado.
Dois anos mais tarde, recebeu um transplante de fígado, altura em que teve uma ausência prolongada da liderança da empresa. Em Janeiro de 2011, voltou a uma baixa médica, por motivos de saúde não especificados. Já não regressou. Em finais de Agosto, demitiu-se.
“Sempre disse que no dia em que não conseguisse cumprir com os meus deveres e responder às expectativas como CEO da Apple, seria o primeiro a dar-vos conhecimento disso. Infelizmente esse dia chegou”, escreveu na carta de demissão, dirigida ao conselho de administração e à “comunidade Apple”.
Contrariamente a muitos gestores de topo, Steve Jobs tem uma legião de fãs, o que o aproxima mais de uma estrela musical do que de um homem de negócios. A seguir à demissão, surgiram em catadupa mensagens na Internet com desejos de melhoras e declarações de admiração, mesmo da parte de alguns críticos. Nos últimos anos, quando subia a um palco para apresentar um produto, era sempre recebido com uma ovação. Fê-lo pela última vez em Junho deste ano.