domingo, 14 de agosto de 2011

Uma justiça iníquo

Por A. Marinho e Pinto
Uma justiça iníquo.

Em Março de 2010, um jovem de 17 anos assassinou a frio o pai da namorada, alegadamente, por a vítima, de 51 anos, bater na filha e se opor ao namoro. O crime teve lugar em Santo António dos Cavaleiros e foi consumado na via pública, com dois tiros de caçadeira, quando a vítima se encontrava acompanhado de um filho de cinco anos de idade. Aparentemente tratou-se de um homicídio qualificado (punível com uma pena de 12 a 25 anos de prisão), praticado com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados, pois o seu autor comprara a arma com o propósito de o levar a cabo.
Apesar disso, o arguido nem sequer ficou preso preventivamente, pois o juiz de instrução mandou-o para casa, com pulseira electrónica. O julgamento realizou-se em Fevereiro deste ano, tendo o arguido sido condenado numa pena de 7 anos de prisão, inferior até ao mínimo legalmente previsto para o homicídio simples que é de 8 a 16 anos. O assassino foi defendido por um dos melhores advogados portugueses e beneficiou de todas as atenuantes e mais algumas, enquanto a vítima quase foi tratada como sendo um facínora, apesar de trabalhar há 30 anos na mesma empresa e ser considerado pelos amigos como uma pessoa excelente que nunca tivera problemas com ninguém. Aliás, no seu funeral, os colegas de trabalho deixaram uma mensagem num cartão em que se podia ler: «Foste um exemplo de vida para todos nós».
No momento em que escrevo esta crónica não sei se a sentença já transitou em julgado, pois ignoro se houve recurso, mas sei que quanto mais a sentença demorar a transitar em julgado, mais tempo o arguido ficará em casa com a pulseira electrónica e menos tempo ficará na prisão, pois essa medida de coacção é descontada por inteiro no cumprimento da pena. Sei também que o assassino é filho de um juiz desembargador e de uma magistrada do Ministério Público e que a vítima era um imigrante africano natural da Guiné-Bissau.
E se evoco, aqui e agora, este caso é por três razões fundamentais.
A primeira, é para realçar que um crime pode atingir qualquer família. Perante a notícia de um crime, todos nos colocamos no lugar da vítima e, implacáveis, logo condenamos o seu autor. Esquecemo-nos, porém, que um crime envolve quase sempre duas tragédias: a da família da vítima (que, neste caso, perdeu um pai, marido e irmão), mas também a do autor do crime, cujos pais carregarão para sempre um estigma tão infamante. Por isso, todos devíamos ser mais comedidos quando se trata de julgar os (filhos dos) outros e, sobretudo, não sermos tão precipitados nas condenações.
A segunda razão é para salientar que este caso quase foi ignorado pela comunicação social, nomeadamente, pelas televisões, as mesmas que nos últimos dias têm procedido a um verdadeiro linchamento de carácter de duas menores comparticipantes num crime de muito menor gravidade. Refiro-me às duas raparigas de 15 e 16 anos de idade que agrediram com pontapés no corpo e na cabeça outra menor de 13 anos. O filme dessa agressão foi transmitido dezenas de vezes por todos os canais de televisão sem qualquer respeito pelas referências éticas que balizam o direito de informar e que no caso se impunha de forma acrescida, devido à idade das envolvidas. Durante dias, as televisões, tendo como único critério o mais sórdido sensacionalismo, exploraram ad nauseam os sentimentos mais justiceiros das pessoas, criando um alarme social absolutamente desproporcionado em relação à gravidade do crime em causa (ofensa à integridade física qualificada), o qual é punido com a pena de um mês a quatro anos de prisão). Sublinhe-se que o crime de ofensas graves é punido com uma pena de 2 a 10 anos de prisão, a qual, em certos casos, pode ser elevada em mais um terço.
Finalmente, para, mais uma vez, denunciar a iniquidade do nosso sistema judicial, duro e impiedoso com os pobres e clemente e obsequioso com os poderosos.
O autor confesso de um crime punível com uma pena de 12 a 25 anos de prisão, beneficiando de todas as atenuantes possíveis e imaginárias, vai para casa com pulseira electrónica e aguarda o julgamento na companhia dos pais que são magistrados, enquanto a autora de um crime punível com uma pena de um mês a 4 anos de prisão, com 16 anos, sem antecedentes criminais, fica em prisão preventiva sem qualquer contemplação.
Felizmente, a situação já foi parcialmente corrigida, mas isso não invalida o terror que nos inspira um sistema de justiça tão iníquo, em cujos tribunais prevalece mais o arbítrio das vontades pessoais dos juízes do que a certeza jurídica das leis da República.

Fonte: JN

sábado, 13 de agosto de 2011

Desculpem o termo, mas não há outro que melhor defina a justiça em Portugal: é uma merda!

«Há quem diga que a justiça neste país bateu no fundo, mas quer-me parecer que não há fundo para a nossa justiça. E a existir os juízes rapidamente tratariam de o escavar mais um bocadinho de forma a possibilitar aos cidadãos continuarem a descer o nível de consideração que têm pela classe e por muitas decisões tomadas nos tribunais que a desonram e cobrem de vergonha. Justiça made in Portugal.

Vou relembrar a notícia saída aqui no expresso, e que reli, imagine-se, no site da ASJP - associação sindical dos juízes portugueses:

"Uma turista italiana, de 25 anos, foi sequestrada em Lisboa e repetidamente agredida e violada durante três dias, numa pensão do centro da capital. Na passada sexta-feira a recém-licenciada chegou a Lisboa, após uma viagem pela Europa. Junto à estação de metro de Arroios, um homem, de 42 anos, perguntou-lhe se precisava de ajuda e ofereceu-se para lhe indicar o caminho para o hotel, mas acabou por leva-la para pensão onde estava hospedado. O rapto durou até domingo, dia em que a jovem conseguiu fugir ao terror, avança o "Correio da Manhã".

As perícias levadas a cabo pela Polícia Judiciária e Instituto de Medicina Legal não deixam dúvidas sobre a violação e repetidas agressões que deixaram a jovem com o corpo todo marcado. O homem foi presente ao tribunal, mas o juiz deixou-o sair em liberdade, ficando apenas obrigado a apresentar-se quinzenalmente na esquadra (coitado, o dinheirão que o homem vai gastar em viagens...). A jovem turista está a receber acompanhamento psicológico e apoio da embaixada italiana em Portugal." (até admira não a terem deixado em prisão preventiva, por eventual perigo de fuga para Itália)

O nojo e estupefacção perante a notícia não me permitem fazer qualquer reparo sob pena de perder a minha liberdade e não me ser aplicada igual e benevolente pena. Deixo apenas uma pergunta, simples e directa: se no lugar da desafortunada italiana tivesse sido a filha ou a esposa do meritíssimo juiz que tomou esta brilhante e inusitada decisão a vítima de tamanha desumanidade cometida por um animalzinho doente durante três longos e tortuosos dias, e visse vexa um seu colega sentado num tribunal tomar a mesma decisão, o que sentiria?

O que lhe passaria pela cabeça se no dia seguinte à audiência, enquanto bebericava o seu galão quentinho, visse entrar na pastelaria do bairro o indivíduo que três dias antes tinha levado a sua filha, prima, mulher, amiga ou colega para uma pensão ranhosa e a tivesse forçado a fazer coisas indescritíveis sob ameaças e agressões permanentes? Sentir-se-ia bem? Continuaria impávido e sereno a beber o leitinho com café, sem pestanejar?

Se sim já cá não está quem falou. Se não sugiro-lhe que bata com a cabeça numa parede porque merece (acredite). Desculpem o termo, mas não há outro que melhor defina a justiça em Portugal: é uma merda!